Texto de Arnaldo Cheixas
Dias, terapeuta analítico-comportamental, para VejaSP*
O que faz com que
um homem repita cantadas com diferentes mulheres? Ou, colocado de outra forma,
o que reforça o comportamento de dar cantadas na rua? Está óbvio que não são as
próprias mulheres. Quando a paquera de um cara é correspondida
de algum modo, aí sim podemos dizer que foi reforçada. Mas isso, normalmente,
acontece num contexto diferente da rua, onde provavelmente aquelas duas pessoas
não mais vão se ver. O cara que canta uma garota na rua não acredita, de fato,
que aquela interação vá permitir que os dois possam se conhecer melhor e
namorar. Qual será, então, a consequência reforçadora da cantada?
O fato é que a estrutura machista da sociedade está
entre os aspectos reforçadores deste tipo de violência contra a mulher. Após
uma cantada, o homem normalmente recebe um elogio do amigo que lhe faz
companhia ou mesmo sinais sutis de aprovação vindos de outros perto dele. Um
leve sorriso vindo de outro homem transmite algo como “é isso aí cara, você
mandou bem!”. Assim, cantar uma mulher na rua fortalece a identificação do
homem como tal. É precisamente este reforço dado pelo grupo que mantém o
comportamento de cantadas de rua no repertório de um homem.
Homens que
cantam mulheres na rua, que assediam colegas de trabalho, que usam a força numa
balada para se aproximar de uma garota, que insultam mulheres que não aceitaram
sua paquera… eles não têm convicção de sua identidade masculina. Sem emitir
tais comportamentos que os coloquem “no grupo”, não se sentem suficientemente
masculinos em sua essência. É um medo de olhar para dentro de si.
Também é verdade que homens que se recusam a
fortalecer tais padrões machistas acabam, eles próprios, sendo alvos de um tipo
de assédio. Um garoto que tenha um amigo de identidade feminina na escola é
incentivado a isolar o amigo. Do contrário, terá sua masculinidade questionada.
Tudo o que um garoto faça que seja incompatível com a manutenção do status
machista no grupo é tido como sinal de dúvida de sua própria identidade de
gênero.
Se o garoto não é grosseiro com as garotas da
escola, ele só pode ser gay. Se ele tem um amigo gay, ele só pode ser gay
também. Se ele não for agressivo com outros garotos mais retraídos, novamente é
porque ele é “maricas”. Nessa estrutura de controle social, muitos garotos,
mesmo sem compreender muito bem o que se passa, acabam reproduzindo tais
padrões por um simples senso de autoproteção e, pior, levam esse repertório
para a vida adulta.
Mas, embora seja verdade que muitos garotos acabam
desenvolvendo um repertório machista por autoproteção (o que ajuda a entender o
estabelecimento do padrão inadequado), isso não pode ser uma justificativa sob
nenhum ponto de vista. É responsabilidade de cada homem saber distinguir entre
o certo e o errado, ainda que o errado seja reforçado socialmente e/ou
religiosamente.
Cantadas de rua são
um tipo de violência contra a mulher porque são sustentadas por (e ao mesmo
tempo sustentam) toda essa estrutura machista. Não é um problema só do
Brasil. Tanto é verdade que o tema vem preocupando cada vez mais a ONU, no
mundo e no Brasil. As Nações Unidas enxergam uma clara relação entre
o assédio verbal e a violência física. Assim, se você mexe com mulheres na rua,
saiba que sua conduta contribui para a ocorrência de crimes mais violentos que
envolvem agressão física ou sexual. E, sim… cantar uma mulher na rua pode
virar por si só um caso de polícia se a vítima procurar as autoridades.
Se você assedia
mulheres na rua e acha difícil mudar este padrão, você até pode ser uma vítima
intermediária da estrutura machista da sociedade, mas a vítima, de fato, é a
mulher e somente a mulher. Se é difícil entender isso, o curta francês Majorité
Opprimée (“Maioria oprimida”), de Éléonore Pourriat, pode ajudá-lo a
perceber isso ao mostrar como seria se os papeis socialmente estabelecidos para
homens e mulheres fossem invertidos. O vídeo dá uma ideia de como uma mulher se
sente e pode ser encontrado na Internet.
Embora algumas
moças usem sua criatividade para enfrentar o assédio nas ruas, a
responsabilidade pela mudança cabe a cada homem. É importante que o homem saiba
identificar o que mantém seu comportamento de dar cantadas na rua. Se a cantada não agrada explicitamente a
garota, o nome disso é assédio e o evento reforçador desse assédio é outra
coisa que não o falso bem-estar sentido pela garota ao ser assediada. Se
você, homem, se comporta assim e tem dificuldade em entender por que razão isso
é errado, procure ajuda. Mas em hipótese alguma repita seu comportamento. Chega
de fiu fiu.
Para mais, acesse Matérias.
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